A matança do porco é uma tradição cíclica e anual
(executada normalmente nos meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro, por serem
meses frescos), exigindo um ritual constituído por várias etapas.
A população da serra algarvia vivia da agricultura de
subsistência, da pastorícia, alimentando-se essencialmente do que a terra
produzia. Quase toda a carne consumida era de suíno, embora também fosse
tradição abater um galo pelo Entrudo, uma galinha em dia de festa, um borrego
no final das ceifas…
O primeiro passo deste ritual era comprar um porquinho no
início da Primavera. Depois era necessário chamar o capador para proceder à
extracção das glândulas reprodutoras do animal, pois as hormonas sexuais podem
interferir no sabor da carne e no desenvolvimento animal.
Depois, é o período de alimentação do animal com vista à
engorda. Alimentava-se essencialmente de vegetais, fruta, cereais, farelos e
bolota. Passados cerca de 8 meses, aproximava-se o dia de Festa aproximava-se:
os convidados eram avisados com antecedência e todos os preparativos tinham de
ser organizados. Para além da matança do porco, era o dia em que toda a família
se reunia, falar de assuntos pendentes e até mesmo de negócios.
A dona de casa tinha trabalhos específicos: limpar toda a
casa, cozer o pão, preparar as loiças, as roupas, a salgadeira, arear os
tachos,…
Os homens preparavam a lenha, as alfaias, a palha de
centeio para chamuscar (hoje em dia utiliza-se o maçarico), comprar sal, café,
açúcar e especiarias (colorau, pimentão,
cominhos).
Logo pela manhã (muito cedo) começavam a chegar os
convidados cheios de frio; servia-se o café da manhã, embora os homens optassem
por um cálice de medronho e um bolo ou frutos secos. Um pequeno grupo de homens
dirigia-se ao pocilgo, o dono atava a uma pata traseira uma corda e conduzia o
animal ao local do sacrifício, onde a determinado momento era dada a voz do
ataque. Todos se lançavam sobre o animal até o imobilizarem por completo,
atando-lhe o focinho por prevenção. Colocavam-no sobre uma mesa tosca e o
matador espetava uma longa faca no pescoço do animal, atingindo uma artéria de
grosso calibre, sendo o sangue recolhido para um tacho de cobre, com vinagre
para o sangue não coagular.
Em seguida, chamuscava-se a parte superficial da pele,
retirava-se a pele do focinho e as unhas. Depois, é lavado e raspado até ficar
de cor clara.
Era colocado novamente na mesa e aberto ao meio, através de
uma incisão superficial desde a ponta do esterno percorrendo toda a linha
branca até ao ânus. Fazem-se mais duas incisões de cada lado, na barriga, e era
manejado com os dedos, conforme necessário, para depois chegar à pança,
procedendo á completa abertura, ficando à vista os intestinos. Puxavam o bucho
e o canal, retirando todas as vísceras para um alguidar. Depois retiravam as
mantas (ou banha) das paredes laterais do abdómen.
Ao mesmo tempo, outro ajudante (convidado) fazia um corte
desde o esterno (caixa) até à boca, com a ajuda de mais dois convidados que
forçavam as patas dianteiras, permitindo o acesso aos bofes, coração, fígado
(cachola) e o baço (passarinha). Retiravam ainda os presuntos, as espáduas
(pás), as costeletas (aduelas), a mioleira, ficando apenas a espinha no
interior, da qual estava alojada a medula (tutano). Esta é retirada,
subdividida e colocada na salgadeira juntamente com as outras peças,
nomeadamente os pezinhos, os presuntos que seriam cobertos de sal (pois na
altura não existia electricidade, recorria-se à salgadeira.
As mulheres desmanchavam, ripavam e lavavam as tripas e
preparavam as chouriças, fritavam a carne e faziam a banha e os torresmos.
Após tanta azáfama, chegava o esperado almoço, que reunia
todos à mesa. Comia-se pratos típicos da matança: a moleja com cominhos, feita
com o sangue do animal, a cachola e os bofes fritos; uma fritada de carne ou
mesmo um guisado, tudo isto a acompanhar com um bom vinho caseiro. O convívio
prolongava-se pela tarde fora, até à hora da despedida, acompanhada de um ou
vários convites para as próximas matanças em casa do irmão, cunhado, primo,…
Devido ao despovoamento no interior e a alteração dos
hábitos alimentares, esta é uma tradição que já se encontra em vias de
extinção.
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